segunda-feira, 7 de abril de 2014

MANOEL DE BARROS

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA


Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira


                                                     


A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

     A mãe reparou que o menino
     gostava mais do vazio
     do que do cheio.
     Falava que os vazios são maiores
     e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira





    No escrever o menino viu
     que era capaz de ser
     noviça, monge ou mendigo
     ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.





Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.




Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens

e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos.

MARIO QUINTANA

"Canção de nuvem e vento":

Medo da nuvem
Medo Medo
Medo da nuvem que vai crescendo
Que vai se abrindo
Que não se sabe
O que vai saindo
Medo da nuvem Nuvem Nuvem
Medo do vento
Medo Medo
Medo do vento que vai ventando
Que vai falando
Que não se sabe
O que vai dizendo
Medo do vento Vento Vento
Medo do gesto
mudo
Medo da fala
Surda
Que vai movendo
Que vai dizendo
Que não se sabe
Que bem se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento
Nuvem e vento Vento Vento!

HENRIQUETA LISBOA (1901-1985)

O tempo é um fio
 O tempo é um fio fino bastante frágil.
Um fio fino que à toa escapa.
O tempo é um fio.
Tecei! Tecei!
Rendas de bilro com gentileza.
Com mais empenho franças espessas.
Malhas e redes com mais astúcia.
O tempo é um fio que vale muito.
Franças espessas carregam frutos.
Malhas e redes apanham peixes.
O tempo é um fio por entre os dedos.
Escapa o fio, perdeu-se o tempo
Lá vai o tempo
como um farrapo
jogado à toa!
Mas ainda é tempo!
Soltai os potros aos quatro ventos,
mandai os servos de um pólo ao outro,
vencei escarpas, dormi nas moitas,
voltai com tempo que já se foi...

CECÍLIA MEIRELES ( (1901- 1964) )

Uma Palmada Bem Dada

É a menina manhosa
Que não gosta da rosa,
Que não quer A borboleta
Porque é amarela e preta,
Que não quer maçã nem pêra
Porque tem gosto de cera,
Porque não toma leite
Porque lhe parece azeite,
Que mingau não toma
Porque é mesmo goma,
Que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
Que tem medo do gato
E também do rato,
E também do cão
E também do ladrão,
Que não calça meia
Porque dentro tem areia
Que não toma banho frio
Porque sente arrepio,
Que não toma banho quente
Porque calor sente
Que a unha não corta
Porque fica sempre torta,
Que não escova os dentes
Porque ficam dormentes
Que não quer dormir cedo
Porque sente imenso medo,
Que também tarde não dorme
Porque sente um medo enorme,
Que não quer festa nem beijo,
Nem doce nem queijo.
Ó menina levada,
Quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
Para quem não quer nada!

ELIAS JOSÉ (Escritor e professor de Literatura Brasileira e de Teoria da Literatura)

SEGREDINHOS DE AMOR
Gosto muito de vocês,
Muito mesmo,
Mas não me peçam explicação,
Pois não vai dar pra contar
O que vai morrer comigo,
O que já fechei no meu poço. 
Vocês sabem como são
Os segredinhos de amor
Todo mundo tem os seus
E pobre de quem não tem...
Sei, de fato,
Entre amigos há sempre um pacto,
Um elo belo,
Mas não vale tão fato
Pros segredinhos de amor. 
Não, não é medo do ridículo.
Nem é o meu segredo um conflito.
Pode até ser coisa infantil
E até meio boba,
Mas segredo é segredo,
Coisa guardada a medo
Pra alegria e tortura
Só da gente 
E um segredo é muito mais segredo
Se for um segredinho de amor!